por Conceição Lemes
O medo de infertilidade e principalmente de disfunção erétil
(antigamente denominada impotência sexual) ronda a cabeça de homens das
mais diferentes idades. Ambas podem decorrer de fatores orgânicos e/ou
emocionais.
“O problema é que, por desinformação, muitas vezes os homens caem em
ciladas que eles criam para si próprios no dia a dia”, alerta o
urologista Sidney Glina. “Na prática, são o grande obstáculo à
fertilidade e à potência sexual masculinas plenas.”
Sidney Glina é muito respeitado pelos próprios colegas. Já foi
presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa de Disfunção Erétil e
da Sociedade Brasileira de Urologia. Atualmente, é professor
livre-docente de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC e chefe da
Clínica Urológica do Hospital Ipiranga, em São Paulo. Entrevistei-o para saber quais são as armadilhas e conhecer a receita para manter a fertilidade e potência sexual.
Blog da Saúde – Vamos começar pelas
armadilhas. O senhor atende em serviços públicos e no consultório
particular. Tem alguma armadilha que seja mais comum entre os jovens,
por exemplo?
Sidney Glina – Tem. É o uso sem
necessidade das facilitadoras de ereção [Cialis, Helleva Levitra,
Viagra, Vivanza]. Eles correm o grande risco de ficar psicologicamente
dependentes, e, aí, só funcionarem na base da medicação. Portanto, é uma
armadilha.
Blog da Saúde – A brincadeira pode acabar mal?
Sidney Glina – Infelizmente, sim.
Há basicamente três tipos de usuários dessas pílulas. Os pacientes que
vão ao médico devido a dificuldades de ereção, e o médico prescreve. Há
os homens maduros que querem dar uma turbinadinha para uma relação
sexual eventual, principalmente na hora do almoço. Normalmente, eles não
usam a medicação frequentemente. E há um contingente, provavelmente o
maior, de homens que utilizam o remédio devido a medo ou insegurança.
São principalmente jovens, inclusive adolescentes.
Blog da Saúde – De que forma eles podem vir a ter disfunção erétil?
Sidney Glina – Esses homens, jovens
e adolescentes têm um ponto em comum: ereção perfeita mas que,
seduzidos pela propaganda, recorrem a uma das pílulas existentes no
mercado, para “mostrar serviço” ou “ter certerza de que o pênis vai
funcionar”. Eles sabem que o remédio pode dar ajudazinha. Então, na
primeira vez, usam geralmente com a namorada nova. Aí, na próxima saída,
eles usam também, pois receiam que não dê certo. E, assim, vão usando
sucessivamente. Com o tempo, esses indivíduos têm grande probabilidade
de ficar dependentes psicologicamente da medicação. Começam a achar que
só funcionam na base da medicação. E, se não usarem, podem realmente
falhar. É uma das causas de disfunção erétil psicológica.
Blog da Saúde – Que outras ciladas os homens armam contra a própria potência sexual e/ou fertilidade?
Sidney Glina – Há várias. A boa
ereção depende não apenas do psiquismo “inteiro”, mas de nervos,
artérias, veias, hormônios e músculos envolvidos no processo também
íntegros. Por isso, ao usar cocaína o homem corre risco de promover
danos à ereção. Explico. A cocaína mesmo consumida eventualmente e em
pequenas doses pode levar à atrofia da musculatura dos corpos
cavernosos, ou seja, das estruturas do pênis que, uma vez cheias de
sangue, permitem a ereção. Com a manutenção do hábito, a lesão é
irreversível. Aí, só prótese peniana. A cocaína afeta pouco a
fertilidade masculina.
Blog da Saúde – E a maconha?
Sidney Glina –
Compromete menos a ereção do que a cocaína. O que a maconha pode
provocar, assim como a cocaína, é alteração na ejaculação. Ambas
atrapalham a concentração, dificultando a excitação. Assim, sob efeitos
delas o indivíduo ejacula mal. Agora, a maconha, o crack e a heroína
contêm substâncias tóxicas aos espermatozóides, afetando-os
profundamente. Mesmo usuários de fins de semana dessas drogas têm
diminuição da qualidade dos espermatozoides. A maconha, especificamente,
pode levar também à infertilidade masculina, reduzindo os níveis de
testosterona [hormônio masculino produzido pelos testículos].
Blog da Saúde – E a bebida alcoólica?
Sidney Glina – Em
excesso, o álcool, entre outras consequências à saúde, lesa os nervos
penianos. Assim, a ordem enviada pelo cérebro aos corpos cavernosos para
que se encham de sangue, não chega direito. O resultado é dificuldade
para conseguir ter uma ereção. Segundo pesquisas, de 8% a 54% dos homens
alcoólatras são impotentes. Além disso, homens que bebem freqüentemente
têm mais dificuldade de engravidar suas parceiras por causa de dois
problemas: ejaculação para trás, o que diminui o volume de
espermatozoides no sêmen; ou insuficiência hepática, que pode levar à
diminuição dos hormônios responsáveis pela produção dos espermatozoides.
Blog da Saúde – E o cigarro?
Sidney Glina – O cigarro interfere
no número e na motilidade dos espermatozoides, reduzinho-os. Mas, não há
nenhum trabalho científico demonstrando que diminui a fertilidade. Já a
potência sexual reduz, sim. A nicotina dificulta a entrada de sangue no
pênis, consequentemente a ereção. A quantidade de nicotina contida em
dois cigarros é suficiente para inibir a ereção de adolescentes. Para
agravar, a longo prazo o cigarro leva à formação de placas de gordura
nas artérias, estreitando-as, ou seja, pode comprometer a ereção no
futuro. Cachimbo, charuto e cigarrilha acarretam os mesmos malefícios
que o cigarro.
Blog da Saúde – Que outras armadilhas tem detectado?
Sidney Glina –As “bombas ”de
anabolizantes, muito comuns em academias. No Brasil, são crescente causa
de infertilidade. Por um mecanismo hormonal, fazem com que o indivíduo
páre de produzir testosterona, impedindo a produção de espermatozóides.
Em 10% a 20% dos casos, o dano é irreversível. Também por um mecanismo
hormonal, as “bombas” levam à impotência sexual.
Blog da Saúde — Em 2004, o senhor foi o primeiro pesquisador
do mundo a dizer que a finasterida [substância presente numa imensa
quantidade de remédios contra queda de cabelos] poderia causar
infertilidade masculina. Na época, essa associação foi encarada com
ceticismo pelos seus colegas. Porém, cada vez mais os estudos lhe dão
razão. Como descobriu isso?
Sidney Glina – Há alguns anos comecei a ver
pacientes que apresentavam infertilidade e estavam tomando finasterida.
Como sempre houve suspeita de que a finasterida pudesse ter essa ação,
eu optei junto com os pacientes por suspender a medicação para ver se a
alteração encontrada no espermograma era revertida. E isso ocorreu. Daí
ter estabelecido o nexo. Em 2004, publiquei trabalho científico
mostrando tal evidência. De lá para cá, outras pesquisas apontaram o mesmo resultado.
A finasterida inibe uma enzima chamada 5-alfa redutase que bloqueia a
transformação da testosterona em diidrotestosterona, que é o hormônio
masculino ativo. Isso diminui a queda de cabelo de alguns pacientes. E
também o crescimento da próstata quando tomada na dose de 5 mg.
Entretanto, a diidrotestosterona tem ação no testículo. A diminuição da
concentração de diidrotestosterona no organismo leva à alteração na
produção de espermatozóides em testículos que já estejam sofrendo algum
tipo de problema.
Blog da Saúde — Todo homem que usa remédio à base de finasterida contra calvície pode ter infertilidade?
Sidney Glina – Não. Existem
trabalhos que mostram que homens que tomaram 1mg por dia finasterida por
dia [é a dosagem recomendada para tratar a calvície] durante pelo menos
seis meses, não apresentaram alteração do espermograma. Entretanto há
vários relatos de infertilidade em alguns homens que tomavam essa
medicação. Tais homens têm outras causas de infertilidade como
varicocele (varizes dentro do escroto) ou obesidade. Aparentemente a
finasterida ampliaria o efeito dessas situações e aumentaria o efeito
negativo sobre o testículo.
Agora, uma vez interrompido o medicamento, há reversão da
infertilidade após cerca de três meses. Por isso, aos homens com
dificuldade de engravidar as suas parceiras e que usam finasterida,
recomendo procurar um urologista e fazer um espermograma. Caso o exame
venha alterado, a conduta é a suspensão do remédio para calvície antes
de tomar qualquer outra medida.
Blog da Saúde – Os efeitos de álcool, maconha, cocaína e cigarro sobre a potência e/ou a fertilidade também são reversíveis?
Sidney Glina – Nunca se pegou um
indivíduo absolutamente adicto para fazer contagem de espermatozoides e
verificar seis meses depois como estava a quantidade. Mas, é claro, que
os efeitos dependem do tempo de uso, quantidade e sensibilidade
individual a essas substâncias. Quanto maior o uso maior o risco e menor
a possibilidade de reversão. O que a gente vê no consultório com
usuários de fins de semana de maconha e cocaína, por exemplo, é
alteração na motilidade dos espermatozoides. Os espermatozoides
“andam” mais devagar, diminuindo a probabilidade de engravidar. Quando
detecto isso, peço para o paciente suspender a droga.
Blog da Saúde – Então o tratamento da infertilidade masculina e da impotência pode passar pela suspensão dessas substâncias ?
Sidney Glina – Com certeza. E muitas vezes só isso basta para reverter o problema.
Blog da Saúde – A esta altura, alguns leitores talvez estejam dizendo que isso é caretice, nunca viram ninguém com impotência e/infertilidade por causa disso e até que o senhor está querendo tocar horror.
Sidney Glina – Infelizmente já vi,
sim, muitos pacientes com problemas sexuais ou de fertilidade por causa
destes “hábitos”. Recentemente atendi um que começou a tomar uma das
pílulas para facilitar a ereção. No início, apenas um pedacinho do
comprimido de 25mg. Dizia que era para dar uma turbinadinha. Agora, ele
diz que a dose de 100mg já não funciona mais. Este paciente não tem
nenhum problema orgânico! Tem apenas uma falta de confiança muito grande
em si próprio.
Blog da Saúde – Afinal, qual a receita para o homem manter a potência sexual e a fertilidade?
Sidney Glina – É a mesma receita para ter boa saúde física e mental:
1) Não abusar do álcool;
2) Evitar maconha, cocaína, heroína, crack, ecstasy;
3) Dar adeus ao tabagismo, qualquer que seja a sua idade;
4) Evitar a obesidade ou emagrecer se estiver acima do peso. Ao
combater a combater a obesidade, por tabela, diminui-se o risco de
impotência sexual e infertilidade masculina. A obesidade favorece ambas;
5) Controlar a pressão arterial, os níveis de colesterol e de
“açúcar” no sangue. São medidas fundamentais para manter a integridade
de nervos, artérias e vasos sangüíneos de todo o corpo, inclusive do
pênis, ajudando a evitar disfunção erétil;
6) Praticar algum tipo de atividade física. O homem que caminha três
vezes por semana durante 30 minutos tem mais chance de manter a potência
sexual do que aquele que não faz exercício.
Blog da Saúde – O que receitaria mais?
Sidney Glina – Educação sexual. Não
existe medida preventiva mais efetiva contra a disfunção erétil. Todo
homem tem medo potencial de ficar impotente. Não há como não ter. Mas,
se entender como funciona a sexualidade, tem menor probabilidade de ter
impotência por problemas psicológicos, que é a maior parte dos casos.
Por exemplo, não se obrigar a um número x de
relações sexuais só para cumprir calendário. Transar em condições
adversas perturba o envolvimento erótico, portanto a ereção. Se falhar
porque estava estressado, bebeu demais ou a garota, de repente, lhe
desagradou, desencanar. Vai dormir, no dia seguinte levantará bem e terá
uma relação sexual tranqüila. É vital também compreender e aceitar as
alterações normais do desenvolvimento contínuo do homem.
PS do Blog da Saúde: Com frequência, se confunde
infertilidade com impotência sexual. Nada a ver. Manter relações
sexuais e ejacular não são atestado de fertilidade masculina. Mais:
infertilidade não torna nenhum homem mais macho.
O que é então infertilidade? É a incapacidade de o casal gerar um
bebê após um ano de relações sexuais regulares sem usar qualquer método
contraceptivo.
Em 40% dos casais com dificuldade de engravidar, o homem tem
problemas reprodutivos – o chamado fator masculino. Em outros 40%, a
causa está na mulher – o fator feminino. Em 20%, ambos têm algum
impedimento. Ou seja, é meio a meio. Em 50% dos casos de infertilidade, a
mulher está envolvida; nos demais 50%, o homem.