quinta-feira, 19 de setembro de 2013

BRASIL TEM 370 MIL USUÁRIOS REGULARES DE CRACK NAS CAPITAIS, REVELA PESQUISA

Segundo dados da Fiocruz, número é 35% do total de consumidores de drogas ilícitas, com exceção da maconha

Os usuários regulares de crack e de formas similares de cocaína fumada (pasta-base, merla e oxi) chegam 370 mil pessoas nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. Considerada uma população oculta e de difícil acesso, ela representa 35% do total de consumidores de drogas ilícitas, com exceção da maconha, nesses municípios, estimado em 1 milhão de brasileiros.
Carolina Garcia
Dependentes de crack no centro de São Paulo
A constatação está no estudo Estimativa do Número de Usuários de Crack e/ou Similares nas Capitais do País, divulgado nesta quinta-feira (19) pelos ministérios da Justiça e da Saúde. A pesquisa foi encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Para o secretário Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, Vitore Maximiano, o número de usuários regulares desse tipo de droga é "expressivo", embora corresponda a 0,8% da população das capitais (45 milhões). "Não é pouco, em absoluto, termos 370 mil pessoas com uso regular de crack. O número é expressivo e mostra que devemos ter total preocupação com o tema."
O secretário classificou de surpreendente o fato de, em números absolutos, a Região Nordeste concentrar a maior parte dos usuários, contrariando o senso comum, segundo o qual o consumo é maior no Sudeste. Como a prática ocorre em locais públicos e durante o dia, ela costuma ser mais visível, devido à formação das chamadas cracolândias. De acordo com o estudo, no Nordeste há aproximadamente 150 mil usuários de crack, cerca de 40% do total de pessoas que fazem uso regular da droga em todas as capitais do País.
 
Alan Sampaio / iG Brasília
Usuários fumam crack em frente a prédio do Setor Comercial Norte, em Brasília
"Esse é um achado que surpreende: a presença de um forte consumo no Nordeste e também, proporcionalmente, no Sul [onde há 37 mil usuários de crack]. No Nordeste, acreditamos que seja em razão do próprio IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] mais baixo, quando equiparado nacionalmente", disse. "Já em relação ao Sul, verificamos um componente histórico, uma vez que tradicionalmente há na região um maior uso de drogas injetáveis, cujo índice no país é muito baixo, mas sempre com maior predominância por lá", acrescentou.
A proporção do consumo do crack em relação ao uso total de drogas ilícitas (com exceção da maconha) também apresenta variações entre as regiões. Enquanto nas capitais do Norte, o crack e/ou similares representam 20% do conjunto de substâncias ilícitas consumidas, no Sul e no Centro-Oeste o produto corresponde a 52% e 47%, respectivamente.
  

O levantamento mostra ainda que, entre os 370 mil usuários de crack e/ou similares, 14% são menores de idade. Isso indica que aproximadamente 50 mil crianças e adolescentes usam regularmente essa substância nas capitais do país. A maior parte deles (56%) também estão concentrados nas capitais do Nordeste, onde foram identificados 28 mil menores nesta situação.
Em relação aos locais de consumo da droga, o estudo identificou que oito em cada dez usuários usam crackem espaços públicos, de interação e circulação de pessoas. A diretora de Projetos Estratégicos da Senad, Cejana Passos, ressaltou que, em razão dessa característica, não adianta fazer uma pesquisa com metodologias tradicionais, por exemplo, com perguntas diretas ao entrevistado se ele usa ou não a droga, com o objetivo de estimar o número de usuários. Segundo ela, o método adotado, que investiga as redes sociais do entrevistado, com questionamento sobre as pessoas que ele conhece que usam a substância, foi possível chegar a um número mais preciso.
 
"Essas pessoas podem não estar na residência. Por isso, era preciso investigar o todo e cruzar as redes sociais", disse. "Pela primeira vez, a secretaria considera ter um dado muito confiável em relação ao número de usuários de crack nas capitais", acrescentou.
Para fazer o estudo, foram ouvidas, em casa, entre março e dezembro de 2012, 25 mil pessoas, que responderam a questões sobre as características das pessoas que integram suas redes de relacionamento. Entre as perguntas, havia algumas focadas especificamente no uso do crack e outras que serviram como controle de confiabilidade dos dados, cujas respostas podiam ser comparadas aos cadastros de órgãos públicos, por exemplo, número de conhecidos que são beneficiários do Bolsa Família.
 
HIV

A contaminação pelo vírus HIV entre os usuários de crack no Brasil é oito vezes maior do que na população em geral. Enquanto no grupo das pessoas que consomem regularmente esse tipo de droga ilícita a prevalência é 5%, no conjunto da população brasileira é 0,6%. 
Os dados também revelam um aspecto que pode estar associado a esse panorama de maior contaminação: mais de um terço dos usuários (39,5%) informaram não ter usado preservativo em nenhuma das relações sexuais vaginais no mês anterior à entrevista. Nas relações sexuais orais o percentual é ainda maior: 50% dos usuários não usaram preservativo. E nas relações sexuais anais a mesma situação foi relatada por praticamente 30% dos entrevistados.
Alem disso, apesar da evidente exposição ao risco, mais da metade dos entrevistados (53,9%) relatou nunca ter feito teste para HIV. Nos municípios que não as capitais, a proporção é ainda maior, chegando a 65,9% de pessoas que jamais fizeram o teste para detectar o vírus HIV.
Outra situação de risco revelada pelo levantamento está relacionada ao compartilhamento de objetos para consumo da droga. A prática é relatada por mais de sete em cada dez pessoas que usam regularmente o crack e similares e desperta preocupação dos especialistas, já que favorece a transmissão de infecções, especialmente as hepatites virais. De acordo com o levantamento, 74,9% dos entrevistados usam a droga em cachimbos; 51,8% em latas de cerveja ou refrigerante e 28,3% usam a droga em copo plástico (com tampa de alumínio). Os pesquisadores ressaltam que o uso de latas e de cachimbos são especialmente perigosos pela possibilidade de contaminação por metais pesados, além do risco de queimaduras e lesões nos lábios.
O estudo aponta, ainda, que diferentemente dos dados internacionais, os usuários brasileiros não são, em sua ampla maioria, ex-usuários de drogas injetáveis, mais fortemente associados à transmissão do vírus da hepatite C e do HIV. O uso desse tipo de entorpecente foi relatado por apenas 9,2% das pessoas.
Além disso, casos de intoxicação aguda – overdose - ocorridos nos 30 dias anteriores à pesquisa foram citados por 7,8% dos usuários. Entre eles, 44,7% disseram que o problema foi em decorrência do uso excessivo docrack, o dobro dos relatos de ocorrência por abuso de álcool (22,4%). Os pesquisadores destacam, no texto, que "a questão é grave, com imenso impacto potencial para a atenção de urgência e emergência no âmbito do SUS [Sistema Único de Saúde], em termos de diagnóstico diferencial das diversas emergências e seu manejo adequado".
* Com informações da Agência Brasil

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